Dominância fiscal

Dominância fiscal

Dominância fiscal

Em relatórios “Explicando o Economês” anteriores foi descrito o que é política fiscal e política monetária, que são os principais instrumentos que o governo ou Banco Central têm para afetar a economia, pelo menos no curto prazo. Esses dois instrumentos, no entanto, não são totalmente independentes, e há casos em que um deles pode perder seu efeito sobre variáveis econômicas devido ao comportamento do outro. Um desses casos é chamado de dominância fiscal, e há bastante discussão sobre se o Brasil atualmente está enquadrado nesse caso.

A política fiscal e a política monetária afetam a atividade econômica, e por meio desse efeito (e somado ao impacto sobre as expectativas de futuro) determinam, em parte, a inflação. Mas a política monetária não serve apenas para determinar a inflação. Ela também pode ser usada para financiar os déficits fiscais do governo, ato que é denominado senhoriagem. Senhoriagem na sua forma mais simples é a emissão de moeda (impressão de dinheiro) para pagar parte das contas do governo. Isso também é chamado de imposto inflacionário, pois a senhoriagem é como se fosse um imposto sobre os agentes privados que detêm moeda. O governo adquire parte do produto privado ao custo de tornar todo o estoque de moeda (que está nas mãos dos agentes privados) menos valioso em termos reais. O resultado disso é uma aceleração da inflação.

O risco de o governo recorrer à senhoriagem para financiar os seus gastos é que está por trás do conceito de dominância fiscal. Esse conceito, explicado pelos economistas Thomas J. Sargent e Neil Wallace em um artigo de 1981, trata de uma situação em que, mesmo antes do governo recorrer à senhoriagem para financiar seus gastos, a política monetária pode perder toda sua eficácia para combater a inflação. Basicamente, caso haja uma dúvida em relação à sustentabilidade da dívida pública (normalmente por meio de seguidos déficits fiscais primários e a expectativa de que esses déficits devem persistir no futuro), os agentes financeiros podem acreditar que o governo não vai ter outro recurso que não recorrer à senhoriagem para pagar os seus gastos no futuro, quando o setor privado não quiser mais financiar totalmente o seu déficit fiscal. Essa expectativa faz com que a comunicação do Banco Central em relação à taxa de juros ou à taxa de expansão da moeda seja descartada pelos agentes financeiros como não crível. Se o Banco Central apertar a política monetária no presente (diminuindo a oferta de moeda e subindo os juros), os agentes financeiros vão perceber a inconsistência intertemporal dessa decisão. Menos emissão de moeda no presente, quando acompanhada por persistentes e permanentes déficits primários que não serão financiados pelo setor privado, significa que haverá, necessariamente, mais emissão de moeda no futuro (para pagar a dívida por meio de senhoriagem). Assim, as expectativas de inflação sobem quando a taxa de juros é elevada, fazendo a inflação subir. A política monetária perde todo o poder de determinar o nível de preços – ela é dominada pela política fiscal (daí o nome dominância fiscal). Os papéis das políticas também estão invertidos em relação ao usual: a política monetária garante a solvência do setor público, enquanto a política fiscal determina o nível de preços da economia (ao determinar o nível de senhoriagem necessária).

Alguns países estiveram nesses casos extremos de dominância fiscal, como foi o caso das nações da América Latina nos anos 1980. Entretanto, na maior parte do tempo, os países estão num cenário mais próximo da dominância monetária. Dominância monetária é quando não há dúvidas em relação à sustentabilidade da dívida. Dessa forma, quando o Banco Central diminui a oferta de moeda no presente, não é possível fazer inferências sobre o que vai acontecer com a moeda no futuro. Na dominância monetária, a política fiscal é tal que a política monetária tem liberdade para agir. Em outras palavras, os juros podem chegar ao nível tão alto quanto seja necessário, pois haverá superávits primários suficientes para pagar a dívida pública (ou pelo menos mantê-la estável em relação ao PIB em um nível razoável) sem recorrer à senhoriagem.

Topo