Não se prenda ao nome

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Não se prenda ao nome

Durante a crise financeira de 2008, a grande maioria dos bancos internacionais, desde o de pequeno porte ao grande banco, reduziu drasticamente suas carteiras de crédito no mercado global. Mesmo empresas tradicionais, com negócios mais estáveis e balanços financeiros sólidos, viram seus limites de linha de crédito diminuírem e, em alguns casos, zerarem da noite para o dia. Isto ocorreu muito menos em função capacidade financeira das empresas do que pela imprudência das próprias instituições financeiras internacionais devido à alavancagem altíssima, leniência na concessão de crédito e criatividade em montar produtos com estruturas frágeis na época de bonança.

A nova situação dos bancos fez com que várias destas empresas buscassem reduzir suas dependências de empréstimos bancários, procurando outras fontes de financiamento que fossem menos voláteis e também de prazos mais longos. A alternativa encontrada foi voltarem-se para o crédito estruturado oferecido por instituições não bancárias que pudessem fornecer crédito confiável, de longo prazo e taxas condizentes. Espalhou-se então um termo que ficou conhecido como Shadow Banking. Não há ainda uma tradução clara para este termo, que poderíamos definir como sistema financeiro não bancário ou paralelo.

Apesar de os bancos por aqui terem estado em uma situação financeira bastante distinta dos seus pares internacionais durante a crise, houve também, nos últimos anos, o desenvolvimento de vários produtos estruturados com os quais se buscou o financiamento direto entre o investidor, preferencialmente o de longo prazo, e empresas que precisam financiar seus investimentos ou alternativas mais baratas e estáveis de capital de giro. Desta maneira, vimos expandir produtos como Crédito de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Fundos de Direitos Creditórios (FIDCs), Fundos de Infraestrutura e outros. O governo, sensível à necessidade de investimentos de longo prazo, acertadamente buscou incentivar em termos fiscais algum destes produtos. Novas ações ainda devem ser tomadas para promover ainda mais os investimentos de longo prazo. Se compararmos o mercado brasileiro de crédito estruturado com os de alguns países desenvolvidos, poderemos perceber que ainda temos um longo caminho a seguir.

A expressão Shadow Banking, em um conceito mais restrito, foi concebida pouco antes da crise financeira por um executivo da PIMCO, a famosa gestora de ativos americana especializada no mercado de renda fixa, para designar as estruturas legais usadas por grandes instituições financeiras para deixar estruturas complexas e pouco transparentes de empréstimos securitizados fora dos seus balanços e, desta maneira, poderem alavancar ainda mais suas operações.

No período pré-crise, os bancos internacionais usaram e abusaram destas estruturas de maneira errônea, o que causou certo pré-conceito com o termo e ele ficou vinculado como um instrumento para burlar o regulador e poder fazer operações arriscadas. Na verdade, os créditos estruturados que causaram grandes problemas foram aqueles que apresentavam descasamento de prazos entre o vencimento dos ativos e seus compromissos, ou aqueles que se alavacaram demasiadamente e não tinham capital suficiente para absorver as perdas. Portanto, as estruturas que foram criadas apenas para tomar vantagem de um regime menos regulado mostraram-se tão ou mais perigosas e frágeis que um empréstimo bancário malfeito.

No Brasil também houve certo abuso e fraudes, fragilizando algumas operações. Os CCBs, em alguns casos, ficaram malvistos, pois várias operações se mostraram frágeis em termos de garantias. Os FIDCs, que se mostraram ótimos produtos em termos de estrutura, passaram recentemente por uma nova regulamentação da CVM para aumentar os controles por parte dos prestadores de serviços.

O conceito mais amplo do sistema financeiro não bancário pode ser definido como intermediação de crédito envolvendo entidades diretamente ou, em outras palavras, empréstimos realizados por outras estruturas que não sejam bancárias. A definição ampliada, portanto, inclui atividades similares tais como créditos securitizados; financiamentos imobiliários oferecidos e estruturados via administradores de investimentos, securitizadoras e distribuidores de valores mobiliários; sistemas de pagamentos internacionais móveis oferecidos por operadoras de telefonias ou empresas de tecnologia; ou ainda novas plataformas de negociação de títulos e valores (há o caso mais expoente de criação de uma nova moeda: o Bitcoin).

De certa maneira, é uma boa coisa que outras formas de financiamento, principalmente para infraestrutura, estejam expandindo seus horizontes além do sistema bancário. Bancos normalmente possuem descasamento de prazos entre depósitos e carteira de empréstimos, muitas vezes possuem altíssimas alavancagens (se observarmos o patamar internacional, mesmo depois da crise) e possuem também complexas dependências entre eles. Por causa destes fatores, muitas instituições bancárias internacionais durante a crise financeira de 2008 apresentaram fragilidades e o governo (em última instância os contribuintes) teve que bancar boa parte da ajuda para não deixar grandes bancos internacionais irem à bancarrota.

Os créditos estruturados são em essência negócios de empréstimo direto entre as partes, sem a participação do risco da instituição bancária. Por analogia às operações de private equity, estão também sendo chamados de private debt. Este tipo de estrutura tem apresentado crescimento bastante acelerado ao redor do mundo. O private debt é somente uma forma de empréstimos realizados fora da carteira de crédito bancária. O mercado de créditos corporativos, tais como debêntures (que de longe são a maior fonte de financiamento não bancário no mercado global), continua crescendo fortemente. No mercado americano, maior referência deste tipo de ativo, representa 42% do PIB. Mundialmente, o mercado de bônus corporativo cresceu em torno de US$ 2 trilhões nos últimos 5 anos. Para se ter uma ideia do potencial de crescimento, no mercado brasileiro estima-se algo em torno de 15% do PIB atualmente.

O crédito não bancário tem crescido de vento em popa no mercado mundial. Estima-se que este tipo de empréstimo, nas maiores economias mundiais, esteja acima US$ 70 trilhões recentemente. Outro ponto importante é que dados confirmam que os tipos de empréstimo não bancário que preocupam os governos, principalmente os veículos fora de balanço dos bancos e alavancados (off-balance sheet), estão reduzindo, enquanto os tipos de estruturas que agradam, como os empréstimos diretos de produtos estruturados e mais adequados em termos de "casamento" de prazos, estão crescendo.

Por esta razão, é uma boa notícia que empresas e projetos de infraestrutura internacionais tomem empréstimos em produtos estruturados por administradores de recursos cujos principais investidores possuem passivos de longo prazo, tais como fundos de pensão.

Se deixar bem claro de quem é o dinheiro que está em jogo, quais os riscos envolvidos nas operações estruturadas e sem alavancagem, o empréstimo não bancário, na verdade, pode trazer mais segurança e competitividade para o mercado de crédito global.

Redator: Leopoldo Barreto

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