O Olhar do Gestor de Ações para o 2º semestre de 2020

O Olhar do Gestor de Ações para o 2º semestre de 2020

Fechamos o 1º semestre deste ano com a maior alternância de desempenho trimestral desde o advento da estabilização da inflação com o Plano Real em 1994: queda de 36,9% no primeiro tri, seguido de alta de 30,2% no segundo. O fato da bolsa despencar no primeiro período, onde a situação econômica começou a se deteriorar rapidamente apenas nas últimas duas semanas de março, e recuperar-se rapidamente já a partir de abril, enquanto víamos semana após semana informações e números muito negativos e tristes a respeito das consequências da epidemia, só demonstra como o mercado de ações vive de antecipar eventos futuros.

E o que o mercado antecipa hoje para este segundo semestre que se inicia? Para onde o gestor de ações vai olhar até o final do ano? Como sempre, o olhar será para toda e qualquer informação que diga a respeito da trajetória econômica das empresas e setores. Assim formando um mosaico a partir de centenas ou milhares de peças soltas que podem chegar a imagem do que será a recuperação.

Hoje se assume que a epidemia do Covid-19 será dominada, e que já causou o seu maior estrago em termos de saúde e de consequências econômicas. Tem-se por certo que as taxas de juros em todo mundo permanecerão em níveis baixíssimos, o que aumenta a atratividade do investimento em ações de empresas. Mas o processo de recuperação nos diferentes setores será muito desigual, e nada uniforme: haverá vencedores e vencidos. E, no geral, se distingue empresas e setores entre os:

(1) que ganham com a crise, ou antecipam tendências dos próximos anos;

(2) os que conseguirão em 2021 recuperar o nível de atividade de 2019;

(3) os que ainda estarão menores em 2021, e só conseguirão recuperar o nível anterior da crise a partir de 2022. O desempenho no ano das ações é até agora um claro decrescente nestes três.

“Mas o processo de recuperação nos diferentes setores será muito desigual e nada uniforme: haverá vencedores e vencidos. E, no geral, se distingue empresas e setores”

Entre os que ganham, ou antecipam tendências, temos os setores de varejo online, de alimentos, de medicamentos. O setor agro e ramificações (grãos, logística, exportadoras de carne); e exportadoras de algumas commodities precificadas em dólares (minério de ferro, açúcar). Há também empresas com tecnologias vencedoras: softwares que descomplicam e integram as atividades corporativas; indústria 4.0 e Inteligência Artificial; bancos digitais.

O gestor vai acompanhar dados mensais de crescimento de vendas online, dados de penetração maior de logística de entrega rápida, dados mensais de exportações das commodities. Vai seguir movimentos corporativos de compras de empresas ou soluções de integração tecnológica, e o crescimento dos ecossistemas de empresas que vendem seus produtos nas plataformas de e-commerce (market places).

Para nós, alguns setores devem recuperar em 2021 o nível de 2019: bancos maiores (estes enfrentando riscos de ruptura tecnológica nada desprezíveis); o setor elétrico e de saneamento; construção civil de média e alta renda (popular não sofre em 2020); siderurgia; varejo de roupas; segmento de transportes; bebidas; varejo de combustíveis.

O investidor de ações vai acompanhar dados de alta frequência que acompanhem a trajetória de recuperação. Dados mensais publicados pelo Banco Central de concessão de crédito e de aumento de inadimplência; dados mensais de consumo de energia, e de distribuição de água; vendas de bebidas em supermercados, versus vendas em bares e restaurantes. Além de tráfego semanal de pedágios em estradas, vendas semanais setoriais por cartão de crédito e débito e vendas mensais de combustíveis também serão acompanhadas.

Por último, os setores perdedores, que não se espera para antes de 2022 alguma recuperação do que era antes do Covid. Os setores de turismo, transporte aéreo, e entretenimento são os representantes. Todos correm riscos de mudanças de padrão de consumo importantes e os números mensais de vendas de passagens, de reservas em hotéis e restaurantes serão acompanhados com muitas dúvidas. A retomada de atividades culturais e artísticas é outro ponto de atenção. Os riscos de eventuais necessidades de capitalização das empresas são muito altos, o que aumenta ainda mais a volatilidade das ações destes setores.

Na atividade frenética e intensiva de um gestor de ações neste segundo semestre, resta uma certeza: será cheia de incertezas, de idas e vindas. O caminho a ser perseguido é o de buscar as empresas ganhadoras nesta maratona. O Brasil S/A tem melhores perspectivas do que o GOV.BR, e é neste universo corporativo que buscamos por ações de empresas que sairão da crise maiores e melhores do que entraram. É uma busca sem fim.

 

João Saldanha é gestor de renda variável do fundo SulAmérica Selection FIA. Ele tem mais de 20 anos de experiência como analista de renda variável, é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), possui MBA pela Universidade de Michigan e é CFA desde 2004.

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